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>> Colunistas > Lázaro Freire * Aparecida do Norte e Universalismo (O que importa é a fé) Publicado em: 23 de janeiro de 2009, 16:17:20 - Lido 5048 vez(es) http://migre.me/gb0u
Desta vez, eu precisava acompanhar devotos que eu amava, por horas, com (sincero) bom humor, paciência e boa vontade. O que me levou a práticas de meditação dentro da própria igreja (será que pode?), e novas percepções, compatíveis com a meditação. E diante daquela egrégora toda em volta da "virgem", o que percebi me fez lembrar de visões do divino feminino que tive em meditações e êxtases mais no "estilo hinduista" (Vide relato Lakshimi, em http://voadores.com.br/site/geral.php?txt_funcao=colunas&view=4&id=103), das minhas experiências - impressionantes - com o feminino de Yemanjá na Bahia (relato em http://groups.yahoo.com/message/voadores/82097) e também na visão da "mãe" que tive em experiências com uso de Daime. Sinceramente, não vi diferença. Porque nós espiritualistas achamos LINDO cultuar Lakshimi e outros mitos hindus, mas discriminamos a maioria que cultua Aparecida? Porque colocamos imagens de deusas orientais em nossas casas, espaços espiritualistas ou carteiras, mas dizemos que a deusa de nossos pais é só uma imagem? Porque alguns até viajam milhares de kilômetros (e dólares) para ver um hindu idoso comum fazer suas preces lá; mas achamos estranho colocar uma imagem de Aparecida, ou até mesmo levar nossos pais (também idosos) fazerem suas preces e mantras repetitivos (o que um terço é?) para a mesma Mãe Divina, aqui pertinho, com igual devoção? Também fiquei pensando em tantos amigos brasileiros que trazem da Índia fotos de algum santuário para Lakshimi ou Parvati, considerando aquela cultura de lá religiosa, mas não percebem que do lado de sua casa há edificações tão ou mais suntuosas para celebrar o mesmo Deus. A ironia é que não raro relatam ter visitado um país que, nas palavras de alguns deles, se parece com uma grande favela, mas poucos prestam assistências às favelas daqui. É preciso atravessar o mundo para percebermos o a pobreza e o divino nos olhos-espelho de nossos irmãos. "Senhora de Aparecida: Foi uma tarde de paz em Aparecida. Não importa a religião do manto que veste a imagem de gesso, tive minha certeza - íntima, pessoal e instransferível, como convém às certezas - de que a única deusa possível estava por detrás de todas aquelas orações. Impossível não questionar minha própria incoerência pseudo-universalista: Porque viajar e se aventurar em uma multidão de um festival hindu é "cult", mas alguns milhares em Aparecida são "um inferno" para nós? Porque é que cultuamos o Deus do Trovão nórdico, ou a Deusa Celta de não sei o quê, mas achamos primitivo um umbandista brasileiro cultuar o mesmo arquétipo na forma de um escravo, de um índio ou de um caboclo, muito mais adequados à nossa cultura? E porque acreditamos em milagres ocorridos na Índia, alguma suposta aparição de Lakshimi ou Parvarti relatados por estranhos sadus hindus (mesmo nos casos em que um pouco de discernimento desmascararia o relato) ou por professores-turistas em workshops; mas rejeitamos quando o mesmo povo simples e religioso, agora o brasileiro, conta uma história de milagre de aparição de santa em um rio aqui pertinho? Gosto muito do universalismo, hinduismo e religiões comparadas. Mas fiquei naquele dia me perguntando quanto de nosso universalismo é realmente tolerância e visão do divino em tudo, e quanto é ainda uma tardia rejeição de cunho psicanalítico aos símbolos e valores de nossos pais; ainda que para isso nos recusemos a ver que buscamos longe no Himalaia o que não queremos ver que sempre esteve perto e dentro de nós?
Resultado: Entrei em transe, em estado alterado de consciência (êxtase místico, satori, samadhim, epifania) quando me ajoelhei para a breve meditação que fazem após o ritual da comunhão. O Deus que vi e percebi não era diferente do que eu havia experimentado em posição de lótus ou fora do corpo. O Deus que vi não era Jesus ou Jeová, não era oriental ou ocidental, não vestia a camisa de nenhum time de futebol, e não veio tomar satisfação dizendo que só atenderia a católicos, ou a hinduistas, ou a espiritualistas, ou a quem tomasse daime, ou a muçulmanos. Ele simplesmente estava ali, sem forma e com todas as formas. E depois de minha visita a Aparecida, meu ego espiritualista caiu por terra, e sinceramente penso que mais gente o encontra na missa, mesmo hoje em dia, do que em experiências espiritualistas ou projetivas (embora essas últimas sejam muito mais a minha opção). Eles sempre tiveram Deus, era disso e não do papa ou inquisição que eles falavam em cada missa; e eu exigi mil livros e religiões estranhas para (adiar) o mesmo fim.
O irônico é alguns espiritualistas que se dizem "universalistas" pensarem que com seus livros, teorias e incensos são de algum modo "superiores" ou "mais evoluídos" que seus irmãos católicos. Grande "universalismo" esse nosso, digno de divã: "Eu sou universalista e aceito tudo, menos meu credo de origem ou a fé de meus pais". Que "tudo" é esse que não nos deixa perceber que são eles, católicos, os mais numerosos e felizes que mal nos notam? Porque não vemos que em geral são eles os que tentam viver de acordo com o divino que acreditam? E não são justamente eles que tem coragem de dobrar seus joelhos e egos diante do divino? Não são eles quem ergueram a maioria dos templos que conhecemos? E pior, porque não podemos ou queremos notar que somos nós a minoria que NÃO experimenta diretamente a Deus, nem sequer na comunhão na qual eles renovam e confessam, todas as semanas, a sua fé? Enquanto muitos católicos encontram-se com Deus e Maria, viramos as costas ao divino para discutirmos quem foi que fez a inquisição. Pelo que vi nos olhos dela em Aparecida, provavelmente não foi minha mãe. "O meu pai foi peão. Minha mãe, solidão" Fim do dia. Na volta do passeio a Aparecida, conversando sobre religiosidade na estrada, minha mãe - emocionada com o passeio - estava novamente assustada com a possibilidade de eu e Camilla "não acreditarmos em Deus". Minha mãe confunde tudo, quem não acredita em Jesus ou Maria para ela não acredita em Deus. Um de seus pavores, imagino, é passar a eternidade no céu cristão, afastada para sempre de seu filho único universalista que provavelmente arderá no inferno dos filósofos, dos taoistas, dos hindus. Eu e meu pai vinhamos na volta explicando para minha mãe, em palavras bem simples, que cada povo tem seu mito para falar do mesmo Deus... Alguns acreditam em Deus através de Maria, outros por meio de Lakshimi, um índio cultua o sol - e outras pessoas vêem Deus na natureza, em tudo, e preferem não ter mito nenhum, ou até mesmo aceitar um pouco de todos, como é a minha opção. Nessa altura, minha mãe compreendeu um pouco e lembrou-se de um padre que certa vez teria lhe dito mais ou menos o mesmo que explicavamos. O sacerdote havia explicado a ela que o importante era ter fé em Deus, não importava a religião. Parece que ela aceitou bem a idéia, para sorte de minha salvação. O sol já se punha, o cenário na estrada era belíssimo, e naquele momento parecia mesmo fácil perceber que Deus habitava naquelas nuvens e por do sol, mais do que em qualquer mito ou catedral. Então meu pai lembrou, novamente, que o que importava era a fé da pessoa. Meu pai sempre disse isso, eu sei, mas na época eu achava que era uma defesa, uma saída política, uma forma de se esquivar de meus questionamentos, ou um fundamentalismo cego dele. Só há pouco tempo o compreendi: O que importa nisso tudo é a fé. Ele sempre soube; e eu, menino, demorei bastante a descobrir. Láz "Me disseram, porém, que eu viesse aqui -- Lázaro Freire lazarofreire@voadores.com.br
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